Ignorávamos tudo acerca de Cabo Verde, arquipélago
batido pelos ventos, a 500 Km ao largo de Dakar que julgávamos
mudo. Os que por aqui se entusiasmavam com os ritmos de África
nos anos 80, ainda não sabiam que estas ilhas escondiam um tesouro,
uma música envolvente, de uma excepcional originalidade. Os tempos
mudam. No início da próxima década, já não
é possível esta passar despercebida. A música cabo-verdiana
encontra finalmente o seu lugar no mapa mundo das músicas para
dançar. A viver em Lisboa, Tito Paris vai participar activamente
no desabrochar deste acontecimento. Guitarrista único, melodista
e cantor com um swing quente, não só divulgará a
alegria e a melâncolia da música cabo-verdiana, como também
o testemunho do Portugal cosmopolita e da comunidade africana na capital.
Quando Cesária Évora grava o seu primeiro álbum,
Tito Paris já a acompanha. Escreveu para ela um tema (Regresso),
concebeu os arranjos em que interpreta diversos instrumentos. É
uma etapa, um momento, não é o começo da sua carreira.
A sua história, o seu envolvimento na música começa
muito antes. Mais precisamente no dia do seu nascimento, a 30 de Maio
de 1963, no Mindelo, cidade principal da Ilha de São Vicente. Quando
se nasce numa família em que todos são um pouco músicos,
não se pode escapar à música. Como todos os outros,
Tito Paris também não lhe conseguiu resistir. A música
corria-lhe nas veias desde que nasceu. Ao deambular pelo passado, lembra-se
muitas vezes das suas escapadelas pelos bares, às escondidas da
mãe, aproveitando as ausências do pai, quando este, marinheiro,
anda embarcado. O miúdo franzino, não tem ainda dez anos,
e anda sempre com a sua guitarra na qual a irmã lhe ensinou os
primeiros acordes. Toca com os irmãos, com Bau, o primo, já
muito hábil no cavaquinho, que se torna também ele célebre
mais tarde. Absorve os conselhos, a sabedoria e os conhecimentos do clarinetista
Luís Morais, do pianista Chico Serra.
Depois das discotecas, cafés e cabarets do Mindelo, Tito Paris
renasce uma segunda vez. Com dezanove anos parte para Lisboa, chamado
por Bana, grande cantor cabo-verdiano aí a viver, que o manda vir
para tocar no seu grupo Voz de Cabo Verde. Com a cabeça cheia de
sonhos, Tito Paris inicia a sua grande aventura a partir deste momento.
Começa com uma pequena contrariedade. Pensava tocar baixo, oferecem-lhe
a bateria. Está a dois passos de recusar, e até de regressar
a Cabo Verde, quando a sorte lhe bate à porta. O baixista vai-se
embora e ele substitui-o. Após quatro anos emanicipa-se da Voz
de Cabo Verde, com quem cresceu muito musicalmente, sobretudo graças
a Paulinho Vieira. Torna-se um dos nomes mais conhecidos do meio musical
cabo-verdiano em Lisboa, também um dos mais procurados, acompanha
os melhores, como o Dany Silva, que o incita a dedicar-se definitivamente
à guitarra. Vê-lo-emos igualmente colaborar com imensos artistas
portugueses, como Rui Veloso. Em 1985, produz ele próprio o seu
primeiro álbum, um disco exclusivamente instrumental, que põe
em evidência todo o seu talento de guitarrista. Forma o seu próprio
grupo, e grava em 1994, Dança mi criola, cartão
de visita que o dá a conhecer a toda a diáspora cabo-verdiana.
É também o seu tema fétiche, que toda
a gente hoje lhe pede nos concertos ao vivo, entre outros, em Lisboa,
na cave do Enclave, o seu restaurante-bar, ou no B.Leza, igualmente ponto
de encontro da comunidade africana em Lisboa. Surgem Graça
de Tchega em 1996, depois duas gravações ao vivo,
das quais o 27 de Julio 1990 saiu no ano de 2001. Entre as
várias gravações, de Oslo a Nova Iorque, da Luisiana
a Paris, o animador das noites africanas de Lisboa visita
muitos países.
Guilhermina, o seu novo álbum, supera os êxitos
anteriores. A voz rouca dos blues afirma-se, apresenta-se de uma forma
instintiva. A guitarra ostenta uma eloquência ainda mais apaixonante.
Uma indescritível melâncolia e movimentos bamboleantes e
insinuantes, uma profunda manifestação de saudade,
uma serenidade dolorosa, a nostalgia que caracteriza constantemente a
música cabo-verdiana, bem como as coladeiras, o funáná,
são propostas felizes e grandes tentações para dançar.
Tito Paris adapta à sua maneira estes estilos emblemáticos
de Cabo Verde. Acompanhado pelo seu grupo habitual, ao qual se juntam
vários convidados e um quarteto de cordas, abranda ou acelera o
ritmo, mistura influências angolanas, ou do norte de Portugal, faz
um desvio por Moçambique ou evoca o samba do Brasil. Ao preservar
a singularidade, o génio crioulo, a tradição da música
cabo-verdiana, Tito Paris, embaixador voluntário e entusiasta da
alma musical do seu país, abre também portas e janelas,
estabelece pontes. Cria, sem nunca esquecer as suas raízes.
DISCOGRAFIA A SOLO
1987 - "Fidjo Maguado"
1994 - "Dança Ma Mi Criôla"
1996 - "Graça De Tchega"
1998 - Ao vivo no B.Leza
2001 - 27/07/1990
2002 - "Guilhermina"
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